Foto: Beto Figueirôa
Da mesma forma que o mundo se
recicla, arte e música também se movem dentro do mesmo espiral. Velhas ideias
são atualizadas, antigos sons ganham novos timbres e conceitos e daí surgem
novos Lennons, Dylans, Gonzagas e Alceus, que vão alimentar os espíritos livres
das novas gerações.
Movido a Vapor, disco de estreia
da banda Tagore, é um desses trabalhos que já nascem atemporais. Os elementos
sonoros, a fusão de rock, folk, baião e psicodelia, norteados por um
texto crítico, tão dilacerante quanto singelo, são frutos de experiências
vividas e reflexos de um novo mundo, tão maravilhoso quanto perecível.
Tagore tira o mofo daquele som que
ficou guardado, nos idos dos anos 60 e 70, quando o movimento Udigrudi ensaiava
a sua própria revolução tropical, nas esquinas sujas e ensolaradas do Recife.
Ou quando Alceu Valença “foi embora pra Catende”, acelerando as asas da música
pernambucana, resignificando antigas tradições.É de autoria de Alceu, inclusive,
um das faixas mais conhecidas do disco, “Morena Tropicana”, com direito a sintetizadores
e solos de guitarra do virtuoso fiel escudeiro de Valença, Paulo Rafael.
A faixa “2012” preconiza, com
rara habilidade, o tão aclamado fim do mundo, numa visão sarcástica e
apocalíptica, adornada por uma levada de baixo inconfundível. Se em “Poliglota”
a banda revigora o espírito do rock sessentista, em “Ilhas Cayman” Tagore
imprime sua visão bem humorada sobre a corrupção no Brasil, com guitarras à la
George Harrison.
Em “Todos os Olhos” o iconoclasta
Tom Zé também é lembrado, numa interpretação singular, que poderia muito bem
ter saído de qualquer um dos grandes discos dos Mutantes, ao passo que
“Vagabundo Iluminado” é puro Doors ou Stones, com a benção de Jack Kerouac, e
sotaque, régua e compasso nordestinos.
Com a competente produção musical
de Clayton Barros (ex Cordel do Fogo Encantado e atual Os Sertões) e Vinícius
Lezo (Estúdio Base) fica realmente difícil acreditar que esse é o trabalho de
estreia de Tagore, pela qualidade dos arranjos, proriedade na execução, e
maturidade na interpretação das 13 faixas que compõem o disco.
A música de Tagore é um pouco
disso tudo e bastante dele mesmo, o que faz do seu trabalho algo absolutamente
único e original, como um trem desgovernado da história, rompendo as fronteiras
do tempo, movido a vapor.
Bruno Lins
Poeta, jornalista,
músico e produtor cultural
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