Por Paulo Moreira Leite, na coluna Vamos combinar:
Em outubro de 2010, inconformada com a vitória de Dilma Rousseff na eleição presidencial, a estudante paulista Mayara Petruso escreveu no twitter: “Faça um favor a SP: afogue um nordestino!”
Julgada na semana passada, ela não foi enquadrada por crime de racismo, que a levaria a passar um mínimo de dois anos e cinco de prisão. Ficou com uma pena mais leve, de um ano e meio. Isso lhe permitiu trocar a prisão por R$ 500 mais serviços comunitários. É o racismo por menos que um salário mínimo.
Não sou daquelas pessoas que acham que penas mais duras são um santo remédio para a discriminação, a violência, os desvios de comportamento e outros males da vida contemporânea.
Muitas vezes, isso é apenas demagogia para impressionar o eleitor desavisado.
Mas essa sentença tem um problema conceitual. Admite trocar uma ofensa à dignidade de milhões de brasileiros por um punhado de reais.
É uma estranha mensagem, vamos combinar.
Punir pessoas por crimes racistas é um ato tão difícil que o craque Grafite, do São Paulo, que foi chamado e “macaco” e “negro de merda” num jogo de futebol desistiu de levar o caso adiante, disse ele à repórter Solange Azevedo. Seu agressor, um jogador argentino, chegou a ser detido depois do jogo mas nada mais lhe aconteceu.
Muitas condenações até chegam até a Justiça, passam na primeira instância mas um número acima de qualquer padrão acaba caindo na segunda, informa uma reportagem da mesma Solange Azevedo.
Encarregado de apurar o caso de um garoto de seis anos expulso de uma pizzaria do Paraíso, em São Paulo, o delegado do bairro admitiu, em entrevista, que a lei oferece muitas portas e janelas para um agressor escapar impunemente. A simples tipificação de racismo exige que se faça uma ofensa de caráter coletivo.
É mais difícil demonstrar que isso aconteceu com o garoto da pizzaria.
Mas foi exatamente isso que fez a estudante que queria afogar nordestinos. Mesmo assim, livrou-se de uma punição maior por R$ 500. Menos que um fim de semana de férias em Porto Galinhas.
Ficou uma mensagem de tolerância com este crime, sutil mais real. Ao noticiar a punição da estudante, os jornais omitiram um dado essencial neste episódio. Um deles fez questão de lembrar que “os maiores índices de votação de Dilma foram registrados no nordeste.”
É claro que ninguém diz que a arrependida estudante tinha razão em sua reação destemperada mas o tratamento recebido abre caminho para outras reflexões.
Quem vai negar que o desenvolvimento econômico dos últimos anos privilegiou o nordeste? E quem vai negar que o governo Lula sempre foi mais popular no Nordeste do que no Sul e Sudeste? Aliás: onde foi mesmo que Lula nasceu? Quem vai negar que a eleição teve mesmo um caráter de disputa regional?
Quem sabe, segue o raciocínio ilustrado, a nossa estudante tenha até exagerado um pouco na linguagem mas será que não tocou num problema real?
E aí se vê o absurdo do absurdo, o preconceito do preconceito.
Ao contrário do que sugere o twitter naufragado, a vitória de Dilma em 2010 foi bastante ampla. Ela ganhou com folga no Nordeste e no Norte mas teria sido eleita mesmo sem os votos dessa região.
O país mudou e muita gente não percebeu.
Mayara não é a única que não entendeu nada. Muitas gente não enxerga as mudanças e acha que é possível tratar brasileiros como cidadãos de segunda classe. Essa é a lição política do episódio.
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